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Receita para o Dia dos Namorados

por Belinha Fernandes, em 14.02.20

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Dia dos Namorados. Propunha que o nome mudasse para Dia dos e-Namorados já que hoje é vulgar que o namoro nasça, vingue e floresça online, definhe e até termine online. Nada que surpreenda, apenas um upgrade do antigo namoro à janela, um sinal dos tempos: agora namora-se nas janelas virtuais e já ninguém escreve longas cartas amorosamente ridículas. A braços com algum fervor revivalista talvez haja quem ainda percute as teclas do laptop com carácter de experiência envergonhada e produza uns e-mails semi-longos apaixonadamente patéticos. Mas o namoro não se mede aos palmos, não, não, ainda que o Whatsup tenha morto as curtas SMS. Os apaixonados da era smart nunca vão saber da magia daqueles ingredientes amorosos anunciados com um bip!Curtas frases roubadas a alguém célebre seguidas de abreviaturas em dramáticas maiúsculas (BJS, ILY) - por causa da sentença dos 160 carateres e do tirano pacote de preços - ou fechadas por declarações minimais: “amo-te memo mt, meu mor”, ou “um bj mt grand pa ti.” Ou, bilingues e alfanuméricas como “tu+eu 4ever.” E o intolerável esbanjamento de espaço - “mt,mt,mt,mt,mt amor pa ti” - ou ainda - “jinhos, jinhos, jinhos e+1jinho” - que pedia quase punição, uma que só podia ser de beijos, claro, de quem sorvia palavra por palavra o amor escrito e queria mais. Qualquer expressão apaixonada era invariavelmente decorada por smileys de :-*(beijos) e em ocasiões especiais até por uma @}--\------,--- (rosa) que assim bordada a sinais no pequeno ecrã do Nokia, se transformava num raro exemplo de electrónicos lavores de habilidosas mãos, até masculinas. (Mentira: já era tudo copy-paste.) Em tempos de recusa de flores pelas mulheres, quem sabe até mesmo as virtuais, aqui declaro que nunca mas nunca deixarei de aceitar chocolates, com um mínimo de 70% cacau puro, fruto de exploração sustentável, preferencialmente enriquecido com pedaços de laranja liofilizada.

Mas bem lidas as coisas, o amor traduzido em palavras, mormente em SMS, era coisa que sabia a pouco, um contentamento descontente, é evidente. Até a Ruth Marlene se queixava disso numa das suas canções:” Tu só namoras por SMS, Não fazes nada só SMS. “ Todos sabemos que o namoro se alimenta de coisas mais palpáveis. Um coração não vive só de palavras, um coração tem fome de mais! É preciso, pois, meter a mão na massa.

Por isso hoje, Dia dos Namorados, resolvi ser generosa e partilhar convosco a receita das bolachas do coração, que é muito fácil, muito fácil de fazer. A minha receita é para duas pessoas – de qualquer sexo, credo ou planeta - e rende muitas porções capazes de satisfazerem o coração mais voraz. É ideal para trincar a qualquer hora e em qualquer lugar, menos na cama porque se soltam muitas migalhas que podem fazer comichão onde menos interessa. Casam bem com quaisquer bebidas quentes e frias, conservam-se a qualquer latitude, e a receita é muito económica. Estas bolachinhas não engordam, não têm glúten, não têm derivados do leite: até o Joaquin Phoenix e a namorada as podem comer sem qualquer remorso. Com a prática comecei a misturar os ingredientes a olho mas aconselho aos iniciantes que usem medidas pois um paladar inexperiente é bem capaz de rejeitar a surpresa antes mesmo de ser surpreendido.

A lista de ingredientes é como segue: 1 chávena bem cheia de romance, 1 chávena de optimismo, meia chávena de respeito, meia chávena de paciência, meia chávena de diálogo, uma colher de sopa bem aviada de bom humor em estado líquido, uma pitada de ciúme e alegria aos molhos q.b. Também uma mão cheia de um ingrediente secreto de que falarei mais adiante. Uma embalagem de confiança para polvilhar. Uma noz de dedicação para untar o tabuleiro de levar ao forno. Doce de Sorrisos para decorar é um extra, uma opção.

Como preparar? Numa tigela funda, de vidro, pormenor importante para que possa ir apreciando a honestidade da mistura, junte o romance, o optimismo, o respeito e a paciência. Com uma colher de pau remexa os ingredientes gentilmente para ficarem bem ligados e com uma aparência homogénea. Acrescente o humor aos poucos, mexendo agora mais vigorosamente, em especial se ele for inteligente, e depois uma pitada de ciúme. Finalize juntando alegria aos molhos e o ingrediente secreto. É o momento de amassar usando as mãos até que a massa se desgrude completamente da da tigela e ganhe vida própria. Quando conseguir agarrar a massa em bola nas suas mãos é possível que dela se solte um cheiro estranho a dúvida. Não se rale. É assim mesmo, está no bom caminho.

É altura de transferir a bola para uma superfície plana que previamente polvilhou com bastante confiança. Sove-a até a massa ficar rosada e soltar suspiros apaixonados. Coloque de novo na tigela, envolva-a num tecido meigo de lã virgem e coloque ao abrigo das correntes de ar. Aguarde o milagre acontecer. Em meia hora a massa duplicará de tamanho, o que será mais do que suficiente para duas pessoas se enfartarem de paixão. Será depois tempo de abrir a massa numa superfície lisa com o auxílio do rolo. Se não tiver um, pode e deve usar uma garrafa de bom vinho. Da minha própria experiência, se usar a garrafa e beber um copo ou dois enquanto estende a massa, as bolachas ainda ficam melhores. Ah, é importante que a massa fique com uma espessura bem fina, até quase transparente, prova de que não tem nada a esconder, mas resistente, pois o maior teste estará por vir.

Depois de estendida use um cortante em forma de coração para fazer as bolachas. Prima com firmeza mas suavidade. Já me esquecia e é extremamente importante! Antes de começar a cortar ligue o forno e deixe o termóstato alcançar precisamente os 160º. Um grau a menos e as bolachas não crescem, um grau a mais, os corações dilatam, endurecem e secam. A química do amor parece elementar mas é muito exigente em pequenos detalhes e não vamos deitar tudo a perder por causa de uma distração, certo? (Pensando melhor, beber o vinho pode ser perigoso para os iniciantes.)

As bolachas do coração vão ao forno durante 20 minutos num tabuleiro bem untado de dedicação que é para não esturrarem demasiado na base o que pode causar uma certa amargura. Dê um espacinho entre elas, verá que crescem bastante. Quando estiverem douradas e o aroma do amor tiver arrebatado os quatro cantos da sua casa, estão prontas. Apague o lume e deixe que arrefeçam dentro do forno pois ficarão mais estaladiças. Uma vez frias, retire-as e decore com Doce de Sorrisos ou outro que prefira, por exemplo, Doce de Sonhos.

Não me esqueci do ingrediente secreto, não, mas como disse, é secreto, não posso revelar do que se trata. No entanto não é nada difícil de adivinhar o seu nome. Esse ingrediente é o responsável por fazer duplicar a massa. Sem ele, a massa não cresce e não chega para fazer bolachas para duas pessoas. Já experimentei. Partilhei as poucas bolachas mas nenhum coração ficou saciado, apenas, talvez, o estômago.

Não se esqueça de fotografar as suas bolachas e colocar a #bolachasdocoração quando partilhar nas redes sociais no Dia dos Namorados. #oamorestánoar, #oamorélindo, #diadosnamorados, #receitasdebolachas

publicado às 11:41

Parabéns Parasite!

por Belinha Fernandes, em 10.02.20

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É oficial. Filmes legendados são tão bons como quaisquer outros para Hollywood. Pelo menos este ano, são, no que toca à opinião da Academia. Não há garantia de que no próximo ano ainda sejam. Foi épico, ah, pois foi. Parabéns Parasite, que tal como a família pobre infiltrada na casa dos ricos se conseguiu infiltrar subrepticiamente na casa forte dos filmes sem legendas! Foi uma noitada e tanto. Já não me recordo, e não quero recordar, da última vez que assisti em directo à entrega dos Oscars. Não é preciso fazer contas ao tempo que passou, basta olhar as caras de Spielberg ou de Tom Hanks ou Laura Dern.

Anos depois constato que a cerimónia da entrega dos Oscars é o que é, não mudou assim tanto, um anfitrião a menos, mais prémios para distribuir, mais mulheres e mais negros, mas, parece, ainda não que baste. Ainda assim os resultados, no que à diversidade toca, foram até positivos mesmo se o espectáculo tenha dado muito palco aos ausentes, e não apenas no in memoriam, - onde, paradoxalmente, alguns foram esquecidos - como se a Academia sentisse culpa e se quisesse redimir de alguma coisa: o dilema de fazer nomeações que agradem a todos e todas continua presente.

Logo no número de abertura, Janelle Monae cantou com a energia e garras habituais, e dançou com o manto de flores de Dani, com bailarinos também vestidos como as personagens de Midsommar, e de Us, onde Lupita Nyong'o interpreta dois papéis - representantes de um eterno género esquecido pelos Oscars, até The shining não ganhou nenhum - Queen and Slim – que não vi - e Dolemite, - um filme com alguns bons créditos enquanto comédia, uma boa interpretação de Eddy Murphy, e que homenageia a história do cinema improvável. Depois, a reunião do trio de actrizes Gal Gadot, Brie Larson e, Sigourney Weaver, a Super Mulher, a Capitã Marvel e a Tenente Ripley, e um discurso sobre todas as mulheres serem super heroínas. São apenas dois inequívocos apontamentos sobre o facto de tanto afro-americanos como mulheres ainda não estarem presentes nas listas de nomeados como seria desejável. Esta questão acaba também por informar o humor que agita a noite, e, a dado momento, parece ser verdade aquilo que depois Phoenix vem dizer, que o cinema – e, em particular o palco privilegiado dos Oscars - cria uma plataforma para dar voz aos que não têm voz. Esta nuvem que paira sobre os Oscars – e a indústria em geral - faz com alguns cinéfilos se enfadem e digam que antigamente é que era lindo. Não esperem que a controvérsia desapareça. Um dia até será possível que deixem de existir Oscars para as mulheres e para os homens. Afinal o que fazem uns e outros? Levantam pesos? Não, apenas representam papéis. Já pensaram nisso?

Os Oscars são os Oscars, mas, também, apenas os Oscars, mais um prémio, entre muitos, com um fito específico, como tantos outros, apenas o mais desejado ou popular, assim nos é vendido. Parasite já era um grande filme antes de ganhar os Oscars. Agora ganhou prestígio. Todavia, o grande juiz sobre a grandeza de um filme não são os Oscars, nem os Bafta, nem os Leões, nem as Palmas – eis um festival que premeia mais a autoria do que a qualidade comercial e técnica conjugadas, estes certo paradigma de valores de produção que são a fórmula aparente dos Oscars – e ninguém precisa deles para ver cinema. Há bom e mau cinema nos Oscars e fora deles, idem. Não é uma questão matemática, é de ponto de vista. Os Oscars são boa publicidade, são a indústria a dizer que está viva e de boa saúde, e a vender-se um poucochinho mais ao mundo a cada ano. Só isso. Quem é que ainda é ingénuo e não sabe? E quem é que fica acordado a ver os Oscars sabendo como é e o que a casa gasta para depois apenas censurar? Se não presta para nada, mudem de canal, vão ler um livro, vão fazer amor, dormir, qualquer coisa. Não são apenas os portugueses que estão fartos da cerimónia, são também os americanos. É o mundo inteiro. Mas querer que os Oscars sejam algo diferente do que são é como querer que o Festival da Canção seja outra coisa. É de esperar sentado e ir fechando os olhos como o Scorsese fez enquanto Eminem agitava a sala, com a sua canção oscarizada, Lose yourself, que já tem barbas, como ele mesmo, num dos poucos momentos verdadeiramente animados da noite.

Assistir à cerimónia até ao fim foi tal e qual como ver filmes cujo final coroa todo o slow-burning de uma história. Parasite tornou-se o primeiro filme em língua estrangeira a vencer o certame. Bong Joon tinha dito que quando as pessoas (os americanos) se habituassem a ver filmes com legendas podiam descobrir bom cinema, uma afirmação questionável, sendo o cinema uma linguagem da imagem, uma expressão universal. Parece que foi ouvido. A culpa de muitos filmes passarem despercebidos talvez seja menos das legendas que de outra coisa que também condena os pequenos filmes independentes norte-americanos a dificilmente alcançarem a ribalta. Ter super-poderes não chega para voar até ao palco do Dolby Theater, nem para mulheres, nem para homens, nem mesmo para os filmes se não existir dinheiro no bolso dos produtores para fazer toda uma campanha. Não são só as legendas. O universo cinematográfico é vasto e está repleto de estrelas de várias grandezas. Felizmente, deixar que os Oscars as ofusquem com todo este seu conhecido brilho e barulho mediático também depende da nossa vontade.

publicado às 23:04


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