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Na bagageira viajava uma televisão acabada de comprar na Black Friday. A casa da mãe fica no bairro dos pescadores. Raul, parado nos semáforos, foi assaltado por histórias antigas que ela contava. Ele era filho do comandante Jota “Tubarão”, entregue não por uma cegonha mas por um albatroz. E a coruja que habitava a casa modesta e que caçava ratos melhor que um gato, enquanto ele dormia? Nunca a viu e não acreditava. Hoje, dia de aniversário, a mãe, vestida de negro desde que o mocho piara, sinal de número parnão no céu, assim antevendo a sentença do naufrágio, esperava-o acompanhada do gato que condizia com seu eterno destino.
Tinham combinado uma sopa rica de peixe. A importância do jantar festivo acompanhado por uma garrafa de vinho foi disputada por um documentário sobre aves de rapina na nova TV. Raul bebeu para estancar a náusea dos abutres a limpar carcaças. Não tinha estômago para aquilo. A mãe parecia imune ao nojo. Alimentava um fascínio por rapaces. Tarde, à porta da escuridão, ela perguntou:
– Quando voltas, filho? Daqui a um ano?
Raul iludiu a resposta e acelerou noite dentro.
A criança dormia quando Raul deslizou pelo corredor. A mulher, aconchegada na cama, perguntou por D. Adelina. Que estava bem, disse ele. O gato engordara. E foi ao duche.
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