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Arara Vermelha (Ara chloropterus) 

– Apresento-vos o Marquês. É Português. Vai ajudar-nos à festa, mais logo – disse Luísa, retornando à cozinha.

Na sala, os convidados acercaram-se dele mas isso não impediu o Marquês de notar uma pequena encantadora, de verde esmeralda, no extremo da mesa. A curva pronunciada da sua cintura parecia esculpida mesmo à medida da mão de um homem.

Luísa trouxe o bolo de aniversário por si confeccionado para Norberto. Como se tivesse adivinhado os pensamentos do Marquês, conduziu-o e ao seu objecto de desejo até à cozinha. Fechou a porta e a luz atrás dos dois.

A luminosidade das velas entretanto acesas na sala a todos envolveu numa atmosfera aconchegante ao redor da mesa.

– Parabéns a você... – começou Luísa, logo seguida dos convidados.

O aniversariante, de cabelo acinzentado curto e denso, cantava, sorrindo:

– Nesta data querida…

De repente...

– Muitas fe-fe...

...voltou ao princípio.

– Parabéns a você…

Todos riram. Sempre brincalhão. Mas quando ele deixou cair na mesa a faca de cortar bolo que segurava, agarrando-se depois à cabeça, parecendo ter dores, Luísa, exclamou:

– É um AVC! Chamem uma ambulância! Acendam a luz.

Luísa empurrou a cadeira de rodas para onde havia espaço. Examinava-o procurando acalmar-se, acalmando-o. A boca ao lado confirmava-se.

Norberto ficara em observação. Era cedo para prever o futuro. Chegada a casa, acompanhada pela incógnita, deitou-se. Ela sabia que eram necessários mais exames para apurar a causa do acidente isquémico. O cansaço venceu-a.

A sede despertou-a pela manhã. Na cozinha lavou e fatiou laranjas e maçãs na tábua. Cortou os morangos maduros. Juntou tudo num jarro, mais uns bagos de uva branca e um gole de licor de laranja.

Abriu o frigorífico. A garrafa de Marquês de Marialva estava colada à de água gaseificada. Aquele par lembrou-a do seu casamento, um ano e meio atrás. Norberto vestido de castanho mel, ela de verde, ele, enorme, ainda que sentado, ela, uma miúda. A jovem enfermeira, que viera a Portugal de férias, despedira-se depois do Brasil para casar com um velho aleijado e sem dinheiro. Morariam num R/C degradado com vista para a fábrica, origem da reforma antecipada do operário por incapacidade. O amor era aquilo. Não trocaria aquela cabana por outro lugar no mundo se era onde ele queria estar.

Acrescentou o espumante e a água com gás. Misturou. Faltava o gelo. Dois copos. Encheu-os.

– À nossa! – disse. Bebeu um a seguir ao outro. E outro. E outro. Até conseguir chorar.

 

Tema da semana: O Amor, uma cabana… e um frigorífico.

publicado às 15:00


24 comentários

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De Just Be a 20.10.2019 às 02:03

Lindo texto. Adorei a história e o final é brutal.
Beijinhos
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De Belinha Fernandes a 21.10.2019 às 22:00

Olá Sónia! Obrigada pelas palavras simpáticas. Já irei ler o seu Desafio!

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